DC#00 - Incoarei a leitura da Divina Coméida

DC#00 - Incoarei a leitura da Divina Comédia

Incoarei a leitura da Divina Comédia com a minha namorada. Esta é a perfeita oportunidade para começar a escrever alguns textos e postá-los aqui, algo que, estando já persuadido a fazer, estava procrastinando há muito tempo. Pois bem, sem mais enrolações. Pretendo ir compartilhando esta jornada com vocês aqui à medida que for lendo, sem prometer qualquer qualidade para os textos (fizesse isso, demoraria muito tempo para escrever e não postaria) e sem me considerar um especialista em nenhum tema aqui abordado.

Estou utilizando a edição bilíngue da Editora 34 com tradução e notas de Ítalo Eugênio Mauro, que, aparentemente, é uma boa edição, mas que foi escolhida há muito tempo atrás sem qualquer consideração pelos seus méritos particulares uma vez que fui ao shopping há por volta de 5 anos. Quanto à apresentação da edição, é fato que ela contém muitas informações e considerações interessantes acerca do autor, de sua obra e de sua importância. Não deixa de ser irônico, contudo, que o mesmo apresentador que disse (muito bem) que "sem o conhecimento profundo da cultura filosófica, teológica, religiosa (...) da Idade Média, toda leitura da Comédia, mesmo guiada, acaba ficando desfocada, para não dizer falsa", tenha também cometido (provavelmente pela falta de conhecimento da cultura teológica e religiosa medieval e cristã no geral) uma terrível heresia trinitária nesta mesma apresentação, dizendo, pasmem: "... o mistério dos mistérios da religião cristã: a crença (...) no Pai, no Filho e no Espírito Santo, sentidos e entendidos como uma só pessoa". Na vida real, como dizem todos os catecismos, cremos, assim como diz o prefácio da Santíssima Trindade, que Deus Pai é com o Filho e o Espírito Santo, um único Deus, um único Senhor: não na singularidade de uma única pessoa, mas trindade de uma única substância. Ou seja, um só Deus em três Pessoas.

Muito mais interessante foi a apresentação que Guido da Pisa (um carmelita do século XIV, que não deve ser confundido com o geógrafo do século XII) escreveu à Comédia de Dante em seu comentário à obra. Em tal apresentação, o religioso faz uma curiosa metáfora entre a obra e a arca de Noé, na qual teriam três câmaras: a inferior, onde haviam animais silvestres e serpentes; a intermediária, onde haviam animais domésticos e mansos e a superior, onde haviam homens e aves. Desta forma, a câmara inferior representaria o Inferno, os animais selvagens, os homens condenados, as serpentes os demônios; a câmara intermediária representaria o Purgatório, os animais mansos, as almas mansas que padecem pacientemente as suas penas antes de chegarem ao Céu e, a câmara superior, representaria o Paraíso, os homens, os eleitos, as aves, os anjos.

Nosso Comentador fez, ademais, uma análise da obra dantesca segundo as 4 causas de Aristóteles, do seguinte modo:

Na minha preparação para a leitura da Divina Comédia, assisti, ainda àlguns vídeo do canal Três Vias. Em um deles, onde lê-se uma parte de uma biografia recente de Dante, a biógrafa diz que o motivo pelo qual ele haveria escrtio a sua Comédia era de que, vendo-se privado da ajuda financeira de seus companheiros exilados, foi obrigado a escrever, por fins pecuniários, uma forma de entretenimento bem sucedida: uma viagem pelo mundo dos mortos. Pois quê!? Haveria uma das poesias mais importantes já escritas nascido da mera necessidade financeira? Parece-me óbvio que tal interpretação é errônea e é reflexo do triste viés materialista que assola muitos historiadores hoje em dia, levando-os a querer interpretar todos os acontecimentos históricos como frutos de uma busca por dinheiro ou por poder, eclipsando, assim, a dimensão espiritual e outros ideais mais nobres que podem ter movido os agentes históricos. Quanto a esta questão do objetivo de Dante ao escrever a Divina Comédia, perguntemo-nos quem estaria mais apto a entender a mente de Dante e dizer-nos, de forma mais fiel, as suas aspirações, um homem que compartilhou com ele a época, a cultura, grande parte dos estudos e a fé, como Guido da Pisa, ou esta biógrafa de nossa época com uma interpretação materialista? A resposta parece óbvia.

Como última consideração, tenhamos em mente que estes grandes poemas compendiam muitos aspectos da cultura, das ciências e das artes de quando foram escritos, então a leitura da Divina Comédia, escrita no ápice da cultura medieval por um homem que muito bebeu da cultura clássica, tem muito a nos edificar, além de servir a todos aqueles fins que o Comentador atribui a Dante.